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Carlos Taibo

Cinco ideias sobre a era Zapatero

10:30 14/02/2008

O texto que segue em modo nenhum é um intento de balanço geral do governo que encabeça, em Madrid, o senhor Rodríguez Zapatero. Mesmo assim, fala --parece-- de matérias de interesse que obrigam a manter as distâncias no que diz respeito a uma gestão política muito menos estimulante do que dizem muitos dos analistas que padecemos.

O nosso primeiro comentário refere-se à construcção de novas linhas ferroviárias de alta velocidade, alicerce simbólico fundamental do projecto zapateriano. É surpreendente que sejam tão poucas as vozes de denúncia do que parece evidente: para além de agressões meioambientais injustificáveis, as linhas que nos ocupam reclamaram o desvio de recursos faraónicos que teriam permitido a melhora doutras vias, hoje abandonadas com o curioso argumento de não serem rendíveis. De resultas, as partes mais marginadas da geografia estão a perder terreno mais uma vez num cenário no que a alta velocidade melhora as comunicações entre os grandes núcleos de população em detrimento dos demais. Para que nada falte, em fim, as classes populares celebram com alegria um facto importante: com os seus impostos estão a construir-se novas linhas que beneficiarão exclusivamente, claro, aos ricos.

Proponhamos um segundo exemplo: sublinhar-se há que, salvo medidas de carácter menor e inutilidade manifesta, os nossos poderes públicos pouco ou nada fizeram para garantir o direito constitucional a uma moradia digna. Como quer que os nossos governantes parecem confiar em que o mercado, com a sua mão invisível, resolverá todos os problemas, não estão a gerar medidas correctoras num terreno no que --não nos enganemos-- se moveram por caminhos similares socialistas e populares, a miúdo enfeitiçados por lamentáveis fórmulas de financiamento dos orçamentos municipais. Assim, a medida introduzida em 2007 pelo Governo de Rodríguez Zapatero, e que concede uma ajuda de 210 euros para facilitar os alugueres de vivendas pelos jovens em modo nenhum se subordina ao esperável objectivo de pôr freio aos abusos permanentes que se desenvolvem neste âmbito: cumpre respeitar escrupulosamente as sagradas regras do mercado. Conforme ao projecto oficial os preços dos alugueres devem ficar como estavam, ou, ainda melhor, subir em virtude das imposições dos propriétarios das vivendas, por lógica dispostos a se beneficiar também das ajudas governamentais. Que a maioria da gente não perceba o anterior é tão triste como informativo.

Algo convém dizer --e introduzimos o nosso terceiro exemplo-- do debate originado por essa nova disciplina que tanta polémica tem levantado: a educação para a cidadania. O conhecimento de como o Partido Popular, ao amparo dum mais dos seus arroutos ultramontanos, tem decidido contestar a matéria em questão provocou que muitas pessoas saissem em defesa desta sem meditar sobre o que tinhamos entre mãos. E é que, quando um mergulha no conteúdo da maioria --há, sim, alguma excepção-- dos textos de educação para a cidadania até hoje publicados, o que descobre --digamo-lo com ironia simplificadora-- é que o seu propósito principal se esgota nas preocupações próprias da educação para a viação. Palavras como "exploração", "exclusão" ou "capitalismo" rara vez aparecem nesses textos e invitam a se perguntar se realmente o que hoje se entende por educação para a cidadania merece o apoio que tantos decidiram proporcionar.

Nacionalismo espanhol
O nosso quarto comentário interessa-se pela influência que entre nós corresponde a um omnipresente, mas surpreendentemente esquecido, nacionalismo espanhol. Castigadas, tal vez, por essa ladainha que sinala que a esquerda deve se afastar de falsos problemas vinculados com uma imaginária questão nacional, são muitas as gentes que parecem ter chegado à conclusão de que os Estados são sagrados ou de que, no seu caso, é preferível aceitar sem mais o que há e não escutar a quem se sentem
incómodos naqueles. Significativo é que muitos intelectuais aparentemente dispostos a considerar de maneira crítica tudo o que nos rodea, aceitem, por acção ou por omissão, discursos que lhe dão aços a nacionalismos --o espanhol destas horas, por exemplo-- tranquilamente instalados nas maquinárias dos Estados e, ao tempo, ultramontanos e intolerantes. E é que nesses discursos o que destaca é uma tolerância nula: tudo irá bem --disse-nos-- se concordamos com a Espanha plural e aberta que tem de ser, ao tempo, única e indivisível. Ninguém deve questionar, noutras palavras, o que ao cabo é uma defesa esencialista do Estado, das suas estruturas, das suas fronteiras e do seu exército.

Fechemos com uma quinta consideração, que bebe dalgumas das armadilhas que marcam a política exterior de Rodríguez Zapatero. É verdade que o presidente espanhol teve na primavera de 2004 um comportamento honroso quando retirou os soldados presentes no Iraque. Alguém deduziu com visível precipitação que essa medida ilustrava um feliz desígnio de romper com uma velha relação de submissão com os Estados Unidos. Nada mais longe, porém, da realidade. As bases de emprego conjunto de Morón e de Rota são hoje o que eram no passado. Os acordos de defesa hispano-norteamericanos ficam em pé. O Governo espanhol não abraça contestação nenhuma em relação com a condição presente da OTAN. Em mais de um sentido pode se afirmar, aliás, que muitos dos soldados retirados do Iraque reapareceram, em proveito duma nova operação imperial estadounidense, no Afeganistão. Assim as coisas, por muito que o Partido Popular teime em soster o contrário, sobram os motivos para concluir que a diplomacia desenvolvida por Rodríguez Zapatero --de sempre companheira, por certo, das misérias que alentam o Fundo Monetário Internacional ou a Organização Mundial do Comércio-- em modo nenhum se caracteriza por uma vocação de ruptura com os Estados Unidos. Há que perguntar-se, por certo, se um genuino projecto de redistribuição de riqueza não reclamaria que os 400 euros que vão beneficiar com muita probabilidade a tantos espanhois se destinassem a permitir uma importante transferência de recursos caminho dos países mais pobres. Mas, claro, é evidente que o rendimento eleitoral dessa medida seria muito menor. E é que, postos a identificar misérias, as nossas, as do cidadão comum, não são tal vez menores que as que arrastam os governantes em Madrid.

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Carlos taibo

É profesor titular de Ciencia Política e da Administración na Universidade Autónoma de Madrid, onde tamén dirixe o programa de estudios rusos. As súas áreas de especialización son transicións á democracia, Unión Soviética, Rusia e Iugoslavia. »



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