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Carlos Taibo

Referendo irlandês

11:30 09/06/2008

Surpreende o silêncio que, ao menos entre nós, rodeia ao referendo que, relativo ao tratado de Lisboa, deve celebrar-se o 12 de Junho em Irlanda. Podem invocar-se como pouco duas explicações importantes: se a primeira sugere que, com visível frivolidade, se tem por seguro o resultado, a segunda aponta que, considerados os antecedentes, um possível 'não' irlandês terá rápida, eficaz e contundente resposta em virtude de uma ou outra armadilha.

Os inquéritos das últimas semanas invitam pouco, porém, às certezas. Ainda que numa primeira leitura se dava por seguro que o tratado de Lisboa desfrutaria de um geral apoio em Irlanda, as posições críticas com respeito àquele ganharam terreno de modo notável. Hoje nenhum analista sério se atreve a enunciar um prognóstico sobre o resultado do referendo. Isto é tanto mais significativo --convém sublinhá-lo quantas vezes seja preciso-- quanto que Irlanda é na teoria o país da União Europeia que, nos últimos lustros, maior proveito obteve da vinculação com esta. São muitos os expertos que, tal vez com pouca vontade de consideração crítica dos factos, falam --não o esqueçamos-- do 'milagre irlandês'.

Face à falta de interesse dominante entre nós, do lado das instituições da UE perceve-se, pelo contrário, uma activa mobilização. A sua manifestação mais transparente nestas horas é um não ocultado exercício encaminhado a oferecer a Irlanda uma cheia de lambetadas que permitam salvar com sucesso o referendo do 12 de Junho. Entre elas agromam garantias de que não ganhará terreno uma unifomização no imposto de sociedades que gosta pouco aos empresários locais e, mais ainda, a decisão de adiar uns dias o debate sobre a reforma do orçamento comunitário. Afastará-se assim no tempo a possibilidade de se reduzirem ajudas importantes que até hoje beneficiaram, e notavelmente, à agricultura irlandesa.

Não esqueça o leitor, aliás, qual é o cenário geral no que cobra corpo o referendo irlandês e qual o tratamento político que está a merecer o tratado de Lisboa. Uma e outra circunstância estão marcadas por um facto: a abafadora maioria dos membros da UE decidiram não organizar referendos. Parece obrigada a conclusão de que os nossos governos, conscientes dos riscos que assumiriam, revelam um receio significativo ante a perspectiva duma discussão pública do texto pactuado o passado outono. Ao amparo desse receio manifesta-se também o propósito paralelo de ocultar que o texto do tratado de Lisboa é em substância o mesmo que o do tratado constitucional que a maioria dos votantes franceses e holandeses decidiram rejeitar em 2005.

Cumpre lembrar que nos círculos comunitários proliferaram nos últimos meses dous equívocos terminológicos que ilustram as muitas misérias que rodeiam ao 'plano B' que ao cabo se abriu caminho. Assim, e apesar da recomendação realizada aos responsáveis dos executivos da UE, e aos ministros de Negócios Estrangeiros, no sentido de evitarem a afirmação de que o texto promovido em Lisboa em Novembro é em substância o mesmo que se submeteu a discussão em 2005, a declaração correspondente é comum --sem ir mais longe-- entre os porta-vozes do governo espanhol, ainda hoje orgulhosos do que aconteceu ao calor do desgraçado referendo celebrado em Fevereiro do ano citado. Agreguemos –este é o segundo deslize terminológico-- que os responsáveis comunitários falam com frequência do 'tratado constitucional' e da 'Constituição europeia' para se referir ao texto aprovado na capital portuguesa.

Nada mais singelo que chegar a uma conclusão: as elites dirigentes da União Europeia nada estão a fazer para enfrentar a má imagem que arrasta aquela. O projecto destas horas, mais bem patético, obriga a identificar uma UE que teima em lavrar o seu futuro sobre a base do que pensam essas elites --sobre a base, noutras palavras, dos interesses que defendem poderosos grupos de pressão relacionados, naturalmente, com grandes empresas transnacionais-- e em aberta ignorância do que reclama a maioria da cidadania. Se isto é pão para hoje e fome para manhã, obrigado é salientar que nunca tiveram maior rigor, para explicar a triste realidade que nos ocupa, as palavras recolhidas numa velha canção do grupo basco A Polla Records: "Políticos loucos guiam às massas, que lhes dão os seus olhos para não ver o que passa".

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Carlos taibo

É profesor titular de Ciencia Política e da Administración na Universidade Autónoma de Madrid, onde tamén dirixe o programa de estudios rusos. As súas áreas de especialización son transicións á democracia, Unión Soviética, Rusia e Iugoslavia. »



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