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Concha Rousia

Mãos para pegar

14:04 13/01/2009

Nada como as mãos, com seus cinco dedos articulados, para pegar. Às vezes também com ajuda dos braços, como quando se quer pegar nos meninhos... Ternurenta frase onde as haja: “pega-me no meninho”...

Também se pode pegar com o pé, especialmente para pegar na porta, ou na bola antes de a jogar... na porta também se pode pegar com as costas; e por vezes usamos os dentes para pegar, como fazemos por exemplo no cartãozinho da garagem para não demorar em passar quando a barra se levanta, ou para pegar no fio antes de enfiar a agulha... Assim fomos aprendendo desde crianças... “pega de lá, que encartamos a manta” Também apreendemos a “pegar sabão à roupa”, ou a não beber dos copos alheios para que “não se nos pegue qualquer mal”; ou “pegar a volta” e ir por onde se vinha; ou “pegar a correr”, “pegar no sono”, “pegar a cantar” ou mesmo “pegar a chover...” e por vezes se nos pode “pegar a maneira de falar” de outros...

Um dia aparece a televisão, e como um rio desbordado leva tudo por diante... Estás tranquilamente uma tarde na sala da tua casa vendo a TVG e de repente aparece esse anuncio, que para mais é institucional... de desenhos muito cuidados, como de um filme africano. Na cena vê-se uma criança miúda que vai escorregando para finalmente cair numas mãos abertas que a jeito de cuncha o acadam quando vem polo ar e pegam nele para evitar que vá ter o chão a se magoar. Até aí tudo bem...

Mas nesse momento aparece uma frase, possivelmente revisada pola equipa de normalização linguística, falada e escrita que diz: “Mans para coidar pero non para pegar”

-Não entendo este anúncio... –diz uma voz a teu lado no sofá- diz que as mãos não são para pegar e bem se vê como pegam no meninho para que não caia ao chão... por que?

Como explicar-lhe a uma criança que a palavra “pegar” aí está sendo usada à castelhana?

-E que eles no anuncio quando dizem “pegar” querem dizer “bater” “golpear” “maltratar”...

-E porque não o dizem?

Eu fiquei sem saber o que responder... A mim acudiu uma outra frase e um outro tempo, e uma outra pequena a perguntar... “el cocodrilo ataca al hombre” a minha mãe nunca vira um crocodilo e eu não dava imaginado àquele bichicho com as mãos pequenas como tinha a submeter as fraldas da camisa por dentro das calças do tal homem... pois isso era atacar para nós... ora aquela frase vinha numa língua que não era a nossa, e a mestra era quase tão inacessivel como a televisão na que hoje se fala na nossa língua, mas fala-se desde um ponto de vista alheio, fazendo-nos estrangeiros de nós mesmos... Na minha cabeça apareceu depois um pensamento amargurado... “mais uma palavra, com uma cheia de sentidos, que acabarão por apagar, e mais um motivo para nos chamar de lusistas aos que tenhamos memória...”

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Concha Rousia

Concha Rousia nasceu em 1962 em Covas, uma pequena aldeia no sul da Galiza. É psicoterapeuta na comarca de Compostela. No 2004 ganhou o Prémio de Narrativa do Concelho de Marim. Tem publicado poemas e relatos em diversas revistas galegas como Agália ou A Folha da Fouce. Fez parte da equipa fundadora da revista cultural "A Regueifa". Colabora em diversos jornais galegos. O seu primeiro romance As sete fontes, foi publicado em formato e-book pola editora digital portuguesa ArcosOnline. Recentemente, em 2006, ganhou o Certame Literário Feminista do Condado. »



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