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Edelmiro Momán

Como na Irlanda?

11:00 15/09/2009

Ergue-te labrego! Ergue-te e anda! Como na Irlanda! Como na Irlanda!

Alfredo Branhas

Colonialismo e etnocídio

A língua própria da Irlanda é o irlandês, frequentemente denominado gaélico ou gaélico-irlandês, para evitar a confusão com o gaélico-escocês. A Irlanda esteve subjugada sob a jurisdição da coroa de Inglaterra desde aproximadamente o S. XII até 1922, ano no que, após uma cruenta guerra, o parlamento britânico viu-se forcado a negociar com os soberanistas a independência da maior parte da ilha, guardando para si quase todos os condados do Ulster, hoje denominados conjuntamente Irlanda do Norte. Assim nasceu um novo estado europeu, a República da Irlanda. No norte, o conflito continua ainda activo.

Como na Galiza, os longos séculos de domínio colonial acarretaram a progressiva substituição da língua própria dos irlandeses pela língua do império. Quantificar o número de falantes de irlandês não é simples. Para o governo irlandês, mais da metade dos cidadãos da República falariam irlandês, como consequência da obrigatoriedade do estudo da língua irlandesa no ensino obrigatório. Porém, no sistema educativo irlandês, o gaélico é estudado como se de uma língua estrangeira se tratar e, aliás, o emprego da língua na vida quotidiana é escasso, ver nulo, pelo que a competência linguística dos falantes é posta em questão em diversos estudos. Distintas estimativas calculam que podem ficar entre 10000 e 30000 falantes competentes de irlandês nos nossos dias, o que levou a UNESCO considerar o irlandês uma língua em perigo de extinção.

Soberania e segregacionismo

Na altura na que se produziu a independência da Irlanda, o número de falantes competentes de irlandês oscilaria entre o quarto de milhão e pouco mais de meio milhão, dependendo das estimativas que consideremos. Quer isto dizer que, em oito décadas de governo soberano, o número de utentes capazes de falar um irlandês fluido reduziu-se a menos dos 10 %, tomando como referência a fim do período colonial.

No que diz à política linguística, os distintos governos irlandeses seguiram estratégias segregacionistas. O gaélico ficou recluso em pequenas regiões nas que ainda era a língua maioritária, que passaram denominar-se Gaeltachtaí. Nestas regiões o gaélico é a língua veicular no ensino e, em teoria, também na administração pública, principal fonte de emprego do país. Com efeito, o conhecimento da língua irlandesa é um pré-requisito indispensável para aceder à função pública na República da Irlanda. Porém, os níveis de competência linguística exigidos são, como na Galiza, meramente testemunhais, o que faz com que mesmo no Gaeltacht possa haver funcionários incapazes de se comunicar com o cidadão na língua própria do país. No resto da República, a língua da administração pública continuou a ser quase exclusivamente o inglês. Em resumo, na Irlanda a administração pública é um vector de anglicização, também no Gaeltacht.

A estratégia segregacionista, que tencionava criar pequenos viveiros a partir dos quais se produziria um ressurgimento da língua, fracassou, pois, completamente. Este insucesso contrasta com o êxito do modelo Luxemburguês, que descrevêramos em um outro artigo, e também, já na Irlanda, com o sucesso relativo das Gaelscoileanna, escolas bilingues com predomínio da imersão linguística em gaélico, que operam fora dos Gaeltachtaí, em áreas onde a hegemonia do inglês é esmagadora. Estima-se que mais dos 10 % do alunos em áreas anglófonas escolheram receber educação em língua irlandesa em uma Gaelscoil. De facto, devido ao desejo dos país e dos alunos de recuperar a língua própria e à qualidade de muitas Gaelscoileanna, a demanda não parou de crescer. Apenas os recortes económicos derivados da crise e a escasseza de professorado qualificado, evitaram um aumento mais significativo deste movimento educativo.

Determinismo versus liberdade


Desde o ponto de vista sociológico, também temos lições que apreender da Irlanda, onde, como se deduz de tudo o exposto, o processo de substituição linguística se acha em um estádio mais avançado do que na Galiza. Por uma banda, o interesse dos anglófonos nas Gaelscoileanna, como forma de recuperar a sua identidade, contrasta com a fuga de alunos nos Gaeltachtaí. Com efeito, ante a inviabilidade assumida da língua irlandesa, um número crescente de pais está a enviar os seus filhos estudar em escolas anglófonas fora do Gaeltacht, mesmo que isso suponha longos trajectos de bus ou de carro. Dá-se assim o paradoxo aparente de que pais irlandófonos em zonas rurais preferem a educação em inglês enquanto pais anglófonos urbanos escolhem o irlandês como língua veicular para a educação das suas crianças.

Auto-ódio e agressividade

Pareceria também que, após oito décadas de independência, o auto-ódio deveria ser também algo praticamente superado. Nada mais longe da realidade. Apesar da precariedade do ensino do gáelico (reduzido uma única matéria na imensa maioria das escolas) a propaganda mediática contra a obrigatoriedade da língua própria é constante. Os argumentos, apoiados pelo principal partido da oposição, o Finne Gael, são semelhantes aos que aduzem aqueles que consideram que o galego é um estorvo: a obrigatoriedade do ensino em gaélico seria contraproducente para a sua recuperação pois geraria "antipatias". Como na Galiza, estas posturas extremistas, embora minoritárias, gozam dum eco mediático desproporcionado.

As disputas toponímicas também são frequentes na Irlanda. Se na maioria do país os nomes deturpados de lugares estão completamente consolidados e são os únicos empregados na prática, nos Gaeltachtaí respeita-se a toponímia correcta em língua irlandesa. Este respeito pela própria cultura também levanta as iras de alguns, que acham que o gaélico nos rótulos gera "confusão" no turista. As campanhas a prol da deturpação toponímica são também recorrentes, até nos Gaeltachtaí. De novo, a cobertura mediática que recebe uma concentração de uma dúzia escassa de pessoas poderia resultar pasmosa para uma pessoa desconhecedora da origem histórica da imprensa irlandesa.

Cumpre termos em conta que para a maioria dos cidadãos irlandeses as conexões emocionais com a língua, se existirem, são remotas. A maioria das pessoas não lembra ter escutado nunca uma pessoa da sua família a falar gaélico. Vítimas de um bombardeio mediático constante, amplas camadas de população questionam abertamente a noção do irlandês ser a língua própria da Irlanda, pois para eles a única língua própria viria sendo o inglês. Isto, obviamente no plano ideológico. No plano psicológico, o sentimento de culpabilidade generalizado pela renúncia à sua herdança cultural é evidente. Distintas pessoas reagem de forma diversa ante este sentimento. Por vezes, a reacção plasma-se em um rejeição total, até agressiva, dessa herdança e, nomeadamente da língua. Em palavras de um ex-colega nativo de um bairro popular dublinês: "Se entras em um pub do meu bairro a falar irlandês se calhar sais malhado".

Exageração ou não, essa mesma agressividade, antes restrita a certos nostálgicos do franquismo, é a que sectores do supremacismo Hispano, nomeadamente do PP e organizações satélites como Galicia Bilingüe, estão, com a cumplicidade activa do governo da Junta da Galiza e os médios de comunicação, a tentar inocular na sociedade galega. Transmutando assim um sentimento de inconfessável culpabilidade em activismo agressivo e militante contra a nossa língua. Sintoma de que estamos a entrar já em uma fase de degradação avançada. Como na Irlanda.

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Edelmiro Moman Noval nasce em Ferrol no ano da crise do petróleo. Sobrevivente do desmantelamento naval, doutora-se em química para realizar a seguir um longo périplo que o conduzirá através de diversos centros de investigação internacionais. À sua condição semi-nómada soma-se logo a de arraiano, já que, residente no Luxemburgo, atravessa quotidianamente a fronteira para trabalhar da Universidade das Terras do Saar, Pontes do Saar, Alemanha. »



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