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Concha Rousia

Homens que Lutam um dia...

12:40 19/10/2009

Há homens que lutam um dia, e são bons;
Há outros que lutam um ano, e são melhores;
Há aqueles que lutam muitos anos, e são muito bons;
Porém há os que lutam toda a vida
Estes são os imprescindíveis

                                                Bertolt Brecht

Breixo era quase um rapaz mas foi, talvez, a pessoa mais importante da minha adolescência, o que equivale a dizer da minha vida. Porque é nessa etapa que se consolida a auto-imagem, a imagem que vai ficar como a essencial da nossa identidade, um verdadeiro espelho no que nos compararmos ao longo do resto da nossa vida... Usando outra linguagem mais atual podíamos dizer que essa imagem vai ficar a ser o disco duro do nosso ser pessoal.

Breixo foi o único ser humano que me entendeu durante aqueles longos dias na Laboral de Vigo; dias nos que éramos obrigadas a levar um uniforme de um gris aborrecível e a partilhar quarto com gente desconhecida, gente que sentíamos estrangeira... mas era aquele um sentimento complicado que eu demorei muito em entender, porque a realidade fazia com que as estrangeiras fossemos nós, as raparigas galegas... 

Muitos silêncios encheram aqueles longos dias em que uma pessoa qualquer podia perfeitamente dizer que a palavra 'eu' soava como o ladrar de um cão sem que isso chocasse ninguém... Pouco, ou nada, sabia eu na altura sobre a escrita galega... e foi aí que apareceu Breixo, nem sei como chegou às minhas mãos, nem lembro nada do que com ele vivi ou descobri, sei apenas que ele se trançou com a minha personalidade, se intricou por dentro e por fora de mim, ficando parte da coroça e do cerne...

Aquele livro foi o meu navio de papel no que a cada noite viajava. Assim que as companheiras do quarto ficavam a dormir, desparafusava a tampa do piloto noturno com a pequena faca que guardava na mala, para ter mais luz, e empreendia a minha viagem como se a pequena lâmpada fosse um faro; lá no chão frio como um imenso mar no que eu aprendera a não me afundir sonhava parte da noite, a salvo de naufragar entre tanta incompreensão...

Da mão de Breixo chorei, ri, e sobretudo me vi, me percebi, como se aquelas folhas tivessem sido escritas para mim, nelas se desatava o meu verdadeiro ser a voar, como numa relação íntima na que um se permite ser vulnerável porque sabe que a outra pessoa nunca a iria danar... Esse saber tirar as barreiras librou-me, hoje eu sei isso, de sofrer as graves consequencias do isolamento nos longos semestres do curso escolar... Breixo salvou-me. Sei que decidi naqueles dias que se um dia tinha um filho o seu nome só podia ser Breixo.

Muitas vezes me tenho interrogado sobre o que terá sido de Breixo, pergunto-me se viverá ou se terá também sucumbido ante tanto desespero, porque a realidade não mudou para melhor desde que ele chegou a este mundo lá por volta do ano 81. Outras vezes prefiro não saber a verdade, e assim poder imaginar que segue a ser aquele moço do que nada lembro, mas por cuja causa eu posso guardar lembranças de mim, lembranças de mim sendo ‘eu’...

E também já tenho pensado que devia talvez lhe agradecer ao seu autor um dia tê-lo escrito.


http://republicadarousia.blogspot.com

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Concha Rousia

Concha Rousia nasceu em 1962 em Covas, uma pequena aldeia no sul da Galiza. É psicoterapeuta na comarca de Compostela. No 2004 ganhou o Prémio de Narrativa do Concelho de Marim. Tem publicado poemas e relatos em diversas revistas galegas como Agália ou A Folha da Fouce. Fez parte da equipa fundadora da revista cultural "A Regueifa". Colabora em diversos jornais galegos. O seu primeiro romance As sete fontes, foi publicado em formato e-book pola editora digital portuguesa ArcosOnline. Recentemente, em 2006, ganhou o Certame Literário Feminista do Condado. »



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